22 janeiro, 2012

Ixodídeos (carraças)

Os ixodídeos, também designados por carraças, encontram-se entre os mais importantes vectores de agentes de transmissão de doença nos animais e no Homem. Os ixodídeos (carraças) são considerados uns dos artrópodes mais importantes associados à transmissão de agentes infecciosos, a seguir aos mosquitos.
A presença das carraças ocorre durante todo o ano, sendo que existem espécies de carraças que estão mais activas no Verão, Rhipicephalus sanguineus e Hyalomma sp., e outras mais activas no Inverno, Ixodes ricinius e Dermacentor reticulatus.
Os ixodídeos necessitam de condições favoráveis ao longo do todo o ciclo, sendo que as condições de humidade são importantes e distintas consoante a espécie e estádio de desenvolvimento. Estes possuem a capacidade de entrar em estado de incubação/diapausa permitindo-lhes uma maior resistência a condições de seca extrema, bem como de variações de temperatura e também a capacidade de absorção da humidade do ar. Para além disso, um aspecto importante é a sua distribuição no terreno, as carraças tendem a concentrar-se em locais de passagem de animais ou pessoas de maneira a facilitar o alcance de hospedeiros para a realização de refeições de sangue.
As carraças são ácaros, parasitas obrigatórios que têm de parasitar um hospedeiro e efectuar uma refeição de sangue para completarem o seu ciclo de vida. Assim, estes apresentam duas fases de vida distintas: a fase de vida livre, localizando-se no solo ou vegetação e a fase de parasitismo,  durante a qual efectua a refeição de sangue, ou seja, são parasitas não permanentes de vertebrados. (Figura 1)


Figura 1 – Fases do ciclo de vida de uma carraça. Adaptado de http://mypuppycare101.com/members/puppy-health/externalparasites/ticks/.

Os ixodídeos apresentam quatro fases, ao longo do seu ciclo de vida, que têm uma duração entre três meses a três anos, constituído pelos seguintes estádios de desenvolvimento: Ovo, Larva, Ninfa e Adulto. (Figura 2)

Figura 2 – Ciclo de vida das Carraças. Adaptado de http://www.jvopweg.nl/TestVersie/ixodidae&page=3

A postura dos ovos é numerosa e é realizada no solo, seguindo a sua eclosão para larva, possuindo apenas três pares de patas e, a partir desse estádio, a progressão é realizada a partir de mudas. Após a primeira muda surge a ninfa que possui quatro pares de patas mas que se distingue das fêmeas por não possuir nem áreas porosas nem orifício genital desenvolvido.
No estádio adulto já existe dimorfismo sexual, sendo que as patas possuem seis segmentos, dos quais cinco estão livres e um se insere na superfície ventral.
Para que ocorram as mudas, é necessário que haja refeição de sangue no hospedeiro, ou seja, a fase parasitária inicia-se na fase larvar e não unicamente na fase adulta, como acontece com outros artrópodes, como por exemplo o mosquito.
É na fase parasitária que poderá ocorrer a veiculação de agentes patogénicos, caso a carraça esteja infectada, sendo que tem capacidade de veicular bactérias, arbovírus e protozoários.
No sentido de detectarem a presença do possível hospedeiro, tem um sistema sensorial que lhes permite detectar variações de concentração de CO2, temperatura, vibração, entre outros.
A picada da carraça não resulta inequivocamente na transmissão de doenças infecciosas ao hospedeiro. Para tal é necessário, por um lado, que a carraça esteja infectada e, por outro, que a quantidade de saliva da carraça injectada no hospedeiro seja suficiente para que haja carga infecciosa mínima.
Na detenção da presença da carraça é importante removê-la de forma eficaz, pelo hipóstoma (peça bocal) da carraça (ao mais próximo da pele possível) sem a destruir, com o auxílio de uma pinça, rodar ligeiramente e puxar com cuidado. É importante não libertar o conteúdo da carraça no local da picada e não aumentar o seu stress, pois isso resulta numa maior libertação de saliva para o hospedeiro.
Em Portugal, os ixodídeos foram identificados como tendo a capacidade vectorial para transmitir diversos agentes etiológicos de doenças humanas, tais como, Doença de Lyne, febre escaro-nodular, febre Q, tularémia, anaplasmose, entre outras. Destas, destacam-se a Doença de Lyne e a febre escaro-nodular por terem maior impacto na Saúde Pública.


Vigilância, Prevenção e Controlo
As alterações ambientais, comportamentais e sociais têm determinado a distribuição e disseminação das espécies de vectores pelo mundo e também a introdução de doenças infecciosas. Para minimizar/reduzir o risco das doenças transmitidas por estes vectores, a medida mais eficaz e a prevenção da picada é pela redução da densidade de vectores. Existem inúmeras acções que podem ser implementadas seja o método químico, físico ou biológico.
O método químico baseia-se na utilização de produtos bioácidas, nos banhos de animais potencialmente hospedeiros (gado e animais domésticos), pulverização de superfícies, utilização de coleiras e outros produtos repelentes.
O método físico consoante o objectivo pretendido poderá controlar as populações de roedores próximo das habitações, pela remoção de pilhas de lenhas e outras acumulações de objectos, reduzindo assim os hospedeiros vertebrados, rotação das pastagens originando a interrupção do ciclo de vida da carraça, limpeza e aragem de terrenos abandonados e utilização de vestuário adequado na deslocação em espaços rurais, reduzindo a área exposta e posterior inspecção minuciosa de roupa e corpo.
O método biológico compreende a colocação de predadores naturais nos terrenos ou explorações agrícolas ou a administração de vacinas.

A vigilância permite constatar qualquer alteração na abundância, na diversidade, que detectada, possibilita a tomada de medidas e emissão de alertas pela Autoridade de Saúde. Assim, a vigilância tem como objectivos:
- A realização de levantamento de espécies de vectores de ixodídeos presentes na região;
- Registar a sua densidade populacional;
- Vigiar a introdução de espécies exóticas;
- Verificar a presença de agentes etiológicos em circulação;
- Identificar focos de infecção e/ou factores de risco.


Colheita de Carraças

Pretende-se que as amostras incluam carraças na fase livre, colhidas no ambiente, e carraças na fase parasitária, tanto em animais como em humanos, sendo a técnica de colheita distinta.

Material para colheita de carraças na fase livre


Colheita de carraças na fase livre
Esta operação comporta a vigilância de todos os habitats possíveis de se encontrarem contaminados por carraças, e para tal, é necessário conhecer detalhadamente o terreno e meios de transporte adequados para se proceder a colheita de carraças.
Para realizar esta colheita é necessário reduzir a área de pela exposta, utilizando o fato de protecção individual branco, o cabelo deve estar apanhado e coberto. A colheita das carraças na fase livre é realizada na vegetação pelo método de arrastamento da bandeira que consiste na passagem de um pano turco, de cor branca sobre a vegetação a uma velocidade constante em linha de aproximadamente 100 metros. A cada cinco passos é necessário verificar se existem carraças agarradas ao pano turco para evitar que se soltem. Perante a sua colheita é necessário registar a localização da colheita (coordenadas), condições atmosféricas, temperatura e humidade ambiente no boletim de colheita. (Figura 3) No fim da colheita deve-se inspeccionar a roupa e o corpo e o pano turco branco deve ser lavado sem adição de detergente, na máquina, à temperatura entre os 40º e 60ºC.


Figura 3 – Procedimentos da colheita de Carraças na fase livre


Material para colheita de carraças na fase de parasitismo

Colheita de carraças na fase de parasitismo
Durante a fase parasitária os ixodídeos encontram-se fixados nos hospedeiros e nem sempre é fácil a sua remoção. É necessário utilizar luvas para a recolha das carraças para evitar o contacto directo com a pele. Deste modo, deve-se prender a carraça com uma pinça, junto ao local de inserção na pele quanto possível, rodando ligeiramente a carraça para soltar o hipóstoma (peça bocal) e puxá-la com cuidado até que se solte. (Figura 4) Caso o hospedeiro seja uma pessoa, deve-se desinfectar o local da picada e se houver indícios de febre, manchas na pele, dores musculares, deve-se consultar um médico. Após a sua colheita deve-se preencher o boletim de colheita de ixodídeos.

Nota: Evitar envolver a carraça em qualquer substância (azeite, óleo ou álcool), aproximar fonte de calor ou perfurar a carraça.

Figura 4 – Técnica de remoção de carraças no hospedeiro. Fonte: http://lymedisease-symptoms.net/tick-removal


Acondicionamento das amostras de colheita de carraças
Após a colheita dos ixodídeos, deve-se colocá-las em tubos rolhados ou copos, que contenham algumas ervas para manter a humidade. O número máximo de carraças que se deve por em tubos é de 20, não ingurgitadas, por local de colheita e 10 carraças ingurgitadas por hospedeiro. Cada tubo ou copo deve ser identificado, de acordo com o boletim de colheita de ixodídeos. Após a sua colheita e preenchimento do boletim, estes devem ser colocados numa caixa de esferovite com refrigeração, com selagem reforçada e enviada para a CEVDI/INSA. Deve-se enviar uma cópia dos boletins de colheita de ixodídeos para o Departamento de Saúde Pública. (Figura 5)

Figura 5 – Boletim de colheita de ixodídeos

Em suma, os ixodídeos (carraças) são agentes de doença e causadores de enormes prejuízos ao nível das explorações pecuárias e de Saúde Pública. Apesar de ser impossível erradicar as carraças, podemos tomar medidas de controlo e de luta contra as carraças que impeçam a disseminação de pragas e o estabelecimento de novos focos de doença.



Referências Bibliográficas
Almeida. V. Direcção Regional de Veterinária. Carraças e pulgas. Consultado a 21 de Janeiro de 2012
Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge. Boletim de colheita de ixodídeos. Consultado a 21 de Janeiro de 2012
Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge. (2011) Formação REVIVE – Carraças. Consultado a 21 de Janeiro de 2012
Ministério da Saúde. Administração Regional de Saúde do Algarve, I.P. Departamento de Saúde Pública. Programa de Prevenção de Doenças. Transmitidas por Artrópodes (2011) – Carraças -. Consultado a 21 de Janeiro de 2012
Silva. M. & Santos. A. & Formosinho. P. & Bacellar. F. Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge. Centro de Estudos de Vectores e Doenças Infecciosas. (2006). Artigo Revisão. Carraças associadas a patologias infecciosas em Portugal. Consultado a 21 de Janeiro de 2012

3 comentários:

  1. Excelente blog. Os meus parabéns por disponibilizar informação com elevado rigor científico e de interesse a toda a população. Boas investigações...

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  2. Não consegui perceber como é que as carraças se movimentão de uns sitios para os outros nas diferentes fazes da vida.

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  3. Falam de predadores naturais, mas quais são? E onde posso arranjá-los?

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